quinta-feira, 14 de maio de 2009

X & Y


O sol dourava todo a planície. Eram milhões de palmos de terra que não deixavam a flora ondear. Uma árvore ancestral, um rochedo e um banco de jardim ladeado de um candeeiro de rua manchavam de cor a áurea natura.
Aurora e Antero, estavam sentados no banco de jardim, formavam um casal de adolescentes que pousavam apaixonados para a máquina fotográfica de Artur.
Artur era um fotógrafo cego, naquele instante segurava a sua máquina fotográfica enquanto se ajeitava sobre o rochedo para paronamizar o momento. Infelizmente acabou por se desequilibrar e caiu por detrás do rochedo, embatendo-lhe com enorme pujança. Levou as mãos à nuca sem esboçar qualquer queixa, ergueu-se novamente no rochedo e tirou a fotografia sem que Antero e Aurora tivessem tempo de reacção. O flash encandeou o sol, segundos depois Artur tombou para o lado e morreu…
Antero e Aurora Estavam sentados num banco de jardim ladeado por um candeeiro de rua num largo de uma velha vila. O velho segurava um retrato emoldurado com uma distinta e envernizada madeira, enquanto os dois observavam a imagem que sempre lhes trouxe algumas lágrimas. Aurora e Antero uniram os rostos e mais uma vez choraram juntos sempre com a mesma serenidade, aparentemente indiferente, mas carregada de desmesurado simbolismo intemporal. Duas meias lágrimas criaram uma lágrima que escorreu pelo ponto de união das duas faces e precipitou-se na direcção do chão.
A transparência da lágrima deu lugar a uma tela onde brincavam duas crianças num baloiço.
O momento desvaneceu-se quando a lágrima explodiu na calçada.
…O bombardeamento a Hiroshima e Nagazaki ocorreu no Japão no final da segunda grande guerra…
Antero abanou a cabeça e abriu bem os olhos.
-Achas que o nosso amor pode ser destrutivo? Interpelou Aurora
- De tão forte que é, acho que sim…
E olhou para o céu…
E o céu apareceu reflectido sobre um chão de vidro. Uma menina atentava ao chão. Tinha nascido com uma deficiência na retina que a incapacitava de olhar para cima. Vivia num palácio de cristal com telhas de barro. Via a chuva cair nas paredes do palácio, mas sempre se perguntara a si mesma “Donde vem a chuva?”. E um relâmpago caiu dos céus, iluminou o palácio de cristal e assustou a menina…
Artur vagueava dentro duma caixa de fósforos quando encontrou um enorme diamante. Perplexo de alegria tocou-o, sentiu cada um dos seus vértices e depois gargalhou como um demónio até desprender os maxilares.
Deu três passos atrás e fotografou o diamante. O flash da máquina fotográfica cegou-o por completo e ateou os fósforos. À s apalpadelas conseguiu escapar das labaredas e saiu da caixa de fósforos. Artur sentiu-se enlouquecer, de respiração apressada e ânsia assassina verteu água na caixa.
Chovia Impetuosamente. A menina estava agachada num canto da maior sala do palácio de cristal. Tremia de frio, a representação física do seu medo.
-Que arrepio – exclamou Aurora
- Se consegues ver o céu, não tens motivos para ter arrepios – Argumentou Antero
E Aurora olhou novamente para os céu…As nuvens levitavam de Oeste para Este…
-Que nuvens são estas que não se espelham na velha calçada? Apareceu no pensar da velha mulher.
-Gostava de ter sido fotógrafo – Disparou Antero
E o raciocínio sobre o céu desapareceu da mente da velha.
- Retratar cada momento e mantê-lo contigo para sempre…Congelar o tempo…
- Como lembraríamos o dia da planície se não tivesse sido retratado? Questionou Artur
- Eu adorava as cartas que tu me escrevias em papel desmazelado, apreciava cada elemento da tua caligrafia, os borrões de tinta por causa das tuas mão suadas, cada dobra daquele papel…Eu gostava do envelope como gostava das reticências que tanto insistias em usar na tua escrita. É mais fácil recordar cada palavra que escrevias do que o que dizes quando me telefonas. Não creio que o momento imortal precise de registo, desde que o guardes sempre na tua cabeça. E se não me lembrasse de tudo o que aconteceu na planície, imaginaria como foi…E ficaria tão feliz de qualquer maneira. Aurora respondeu não respondendo, mas cativou o velho mais uma vez.
De olhos arregalados Antero olhou Aurora, poisou o retrato e beijou a mulher como o tinha feito na primeira vez.
Continuava a chover copiosamente no exterior do palácio de Cristal. Sem saber porquê a menina ergueu-se, saiu para a rua e deitou-se na terra de cabeça para o ar. Encharcou-se num ápice, mas que importava…Ela estava a ver o Céu. Mais um relâmpago caiu mas desta vez ela não se assustou. O flash da máquina de Artur não incomodou a menina. Sorrateiramente, O fotógrafo chegara-se perto dela…Tinha esperado alguns anos para a ver no exterior. Naquele instante capturou o frame da sua vida. Levou as mãos aos olhos e depois deitou-se ao lado da menina. A chuva refrescou-lhe a mente e deu-lhe força para gritar bem alto “Voltei a ver”. E o palácio de Cristal caiu…



Continua...


Texto: Carlos Rodrigues

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