domingo, 13 de setembro de 2009

O Poeta

Uma casa pintada com cal branca, olhava através de janelas emolduradas em rodapés azuis, uma linha dourada de planícies. Lá bem adiante, meia dúzia de fardos de palha expostos ao sol e um caminho de onde alguém olhava a casa com a mão direita esticada por cima das sobrancelhas. Ali, dizia-se, vivia um poeta que fez da sua solidão, loucura. Numa noite de tempestade, o vento levou os manuscritos da sua essência, procurou nas estrelas, mas apenas encontrou o consolo de um verso desenhado pelo sorriso de uma criança, escavou a terra seca até que fosse barro conservado pelo suor do pastor, Voou nas asas duma folha de Outuno, até encontrar a chuva de Novembro, mergulhou numa fogueira de escuteiro e nadou num cardume de histórias; Aventuras temporárias representadas por palavras digitais, era assim que o poeta as descrevera, as sentira, na verdade. Estoico pensar que o fez hibernar num transe eterno. A tinta e o pergaminho ainda estavam em cima da escrivaninha quando o poeta se perdeu num caminho que atravessara cada lugar seu. Insano, cego e vazio, assim morreu o poeta.



Texto:Carlos Rodrigues

Camões diz: lol

Tenho reparado desde há algum tempo a esta parte que uma das modas dos criadores/autores se prende com a exploração do mundo sobrenatural. Até aqui tudo bem, embora eu considere que também já é exagerado, ao ponto de se tornar repetitivo, come-se demais e depois quase que se vomita, mas isso não é de todo o mal maior, antes fosse. Há uns dias acabei de ler o romance "A História de Edgar Sawtelle", aclamado por muitos o romance do ano de 2009, escusado será dizer que comecei a explorar a obra com enorme curiosidade, Lendo a sinopse, o que o autor e editora nos prometem é um enredo sério, adulto, coerente, ideia que a meio se desmorona por completo com a aparição de um ser sobrenatural trazido da terra dos mortos sob a forma dos elementos naturais. Ora bem, não fosse a mestria com que o Sr. Wroblewski escreve e descreve a relação humana com os nossos amigos caninos, eu teria desistido de ler a obra.Isto para justificar o quê? Para dizer que hoje em dia os autores criam "mundos" que são verdadeiros becos sem saída: Quando não lhes ocorre uma ideia lógica e verosimil para a continuação (justificação) da narrativa, ora "cá vai disto", e enveredam pelo caminho mais fácil: O do sobrenatural.
Não vamos juntar alhos com bugalhos, O "Senhor dos anéis" do Genial Tolkien é um mundo repleto de Fantasia, é certo, mas o leitor/espectador sabe o que esperar quando gasta as suas poupanças numa obra do género, ou pelo menos deveria saber, os trailers, sinopses e as críticas quando bem feitos ainda servem para alguma coisa. As amostras não precisam, nem devem contar tudo, mas é indispensável que a demonstração apresentada seja fiel ao produto integral . Quando se propõe um argumento credivel, e depois nos é apresentado um conteúdo com espiritos, unicórnios e bichos papões, até o menos céptico dos individuos tem o direito de se sentir enganado. Aquele que não se sente enganado nesta situação é aquele que desfruta dum leque de opções muito reduzido, é o cliente comodista a quem podem servir veneno em vez de àgua que ele nem nota a diferença. É aquele que caminha ao estilo "Zombie" no meio da multidão à procura de carne. É aquele que deixou distinguir o bom do mau, é aquele que segue o caminho desejado por esses "senhores" que defendem a cultura e ao mesmo tempo a espezinham, a humilham, a não-fazem.
Acreditar que Moisés separou as àguas do mar; sim respeita-se, acreditar que nos oceanos existiam as mais estranhas e temiveis criaturas, compreende-se que tivesse acontecido, mas já passou mais de meio milénio; acreditar no pai natal é bestial, mas infelizemente passa. Então para esses "senhores" que procuram as soluções mais facéis, que por vezes até estragam guiões com potencial, tudo para ganhar mais uns tostões, que para nós seriam uns bons milhares, não é demais pedir um pouco de respeito para com aqueles que esperam até ao final do mês para ir ao cinema ou para comprar um livro. Não atirem areia para os olhos dos outros.


Texto: Carlos Rodrigues

sábado, 22 de agosto de 2009

Gajas Nuas a Dançar o Tirolês

Peço desculpa pela minha ausência por estas terras, entretanto lavradas (e muito bem) pelo meu caro amigo Manuel Valente. Fica a promessa que em Setembro vou regressar em grande. Entretanto fiquem com a história completamente absurda de Bubakar. Comentem. Continuação de boa época balnear
Cuidado com a Gripe A e com a euforia benfiquista
Carlos, "Um cozido à portuguesa, a preço da China, no restaurante Indiano" (!!!) E depois fazemos o quê, jogamos uma sueca?



O Zapping de Bubakar


Bubakar sentia-se sozinho, situação drasticamente agravada quando a sua sombra lhe apontou uma pistola à cabeça, lhe roubou dinheiro para ir comprar droga e nunca mais voltou. Tentou denunciar a situação à policia, mas em troca apenas a resposta "sem sombra de dúvida". Olhou para o auscultador do telefone e depois marcou um número constituído por nove digitos. Três segundos depois um telemóvel vibrou em cima da pequena mesa de madeira polida bem no centro da sala. "Quem será?" perguntou-se Bubakar. Viu no monitor "Bubakar Casa" e atendeu "Alô?". Ninguém respondeu, Desligou e sentou-se no sofá a fazer Zapping. "Não está a dar nada de jeito", Bubakar queria ocupar o seu tempo com algo, mas o "Quê?", desesperou. Podia ir urinar mas não tinha vontade, ou comer mas nascera sem boca, ou ler mas nem o seu nome sabia escrever, ou jogar às cartas mas nem ao solitário o baralho queria jogar com ele, tentou tomar uma decisão, mas "O que é uma decisão?" perguntou-se. Correu para o quarto e pegou num dicionário, mas fechou-o antes de o abrir, Não sabia ler, esqueceu-se. A sua mente nunca se conseguia lembrar, esse era o truque para não esquecer. Então voltou para o sofá, fez zapping mais um pouco até que ficou vidrado num canal, Al Jazeera ou lá como "eles" lhe chamavam. Bubakar viu então as coisas mais incriveis, pessoas a voar, a dividirem-se em milhões de partículas, a assarem tipo "porco no espeto", havia até um que atirava aviões de papel contra construções Lego e soprava 2 dinamites enterrados num bolo de aniversário de seguida. Bubakar pagou 10 euros ao seu cérebro para que pudesse pensar por 5 minutos. Pensou "Eu...", e acabaram os créditos. Depois de gastar 3500 euros reformulou toda a ideia "Eu vou atirar-me pela janela". Depois gastou mais 1500 euros para conseguir tomar a decisão e correu para a janela. Mas a única janela da casa de Bubakar era apenas uma versão trial de 30 dias e a verdade é que expirara no dia anterior. Remexeu em todas as gavetas da sua casa à procura do crack da janela. E encontrou, Mas pelos vistos aquilo só funcionava com o Windows original. "Foda-se" exclamou.

(Não Sabia o que significava aquela palavra mas soava-lhe mesmo bem "Foda-se" repetia durante todo o dia, em casa, no trabalho, no supermercado, na igreja. Toda a gente o olhava quando o dizia, Bubakar nunca percebera ao certo porquê, mas desconfiava que era por falar sem boca, e atacava mais uma e outra vez com um orgulho desmesurado "Foda-se" e por vezes acrescentava com o mindinho, o indicador, o polegar bem esticados e o anelar e médio dobrados sobre a a palma da mão "Nigga". Na verdade Bubakar aprendeu todas essas expressões quando ouviu um homem cantar, um homem misterioso a quem chamavam 50 cêntimos.)

Mas voltemos então ao Drama que se viveu no apartamento de Bubakar...

Bubakar Parecia descontrolado. A hipótese de suicídio estava fora de questão. Foi fazer Zapping outra vez...Viu um pouco de "National Geografic" e Roeu o Sofá durante horas, depois "MTV" e imitou um tipo que parecia mais morto do que vivo no meio de duas dúzias de zombies, e por fim "Playboy TV". O coração de Bubakar teria parado de bater se alguma vez tivesse batido, de sentidos arreliados Bubakar levantou-se e procurou nas páginas amarelas informação sobre aqueles seres que ouviu alguém denominar de "Mulheres". Dois Nomes Chamaram-lhe a atenção por cima do seu indicador, pese embora Bubakar não soubesse ler dava um enorme valor à forma estética das palavras. "Maya Astrológa" e "Maya Modelo Profissional", Bubakar Tinha que fazer uma escolha e pela primeira vez o seu instinto percorreu-lhe as estradas dos intestinos e disse-lhe a "Maya Modelo Profissional" cheira-me a titulo de Photoshop. Depois foi à WC e cagou um pequeno JPEG. Inclinou-se sobre a Sanita e apanhou o retrato de uma mulher, onde se podia ler pelo espelho que estava atrás de Bubakar: "Maya". Bubakar segurou o retrato com bastante apreço, depois acariciou cada detalhe do rosto da mulher. Ouviu um som curto, bastante irritante e maquinal. A seguir alguém acrescentou num tom seco "Impossível guardar alterações ao layer 7"...E o nariz da mulher que Bubakar segurava entre os dedos distorceu-se. Bubakar assustou-se quase tanto como o susto se assustou ao vê-lo. Foi então que Bubakar se sentiu como o principezinho, sozinho no universo, numa galáxia habitada por seres inabitados de sentido. Bubakar quis que a sua história tivesse fim, mas o autor deste texto não lhe vai dar esse privilégio. BUBAKAR será um escravo da minha Obra HAHAHA (sorriso diabólico), Asshole (entre dentes)...


Texto: Carlos Rodrigues

sábado, 1 de agosto de 2009

Pensamentos Profundos à Superfície – parte II de uma trilogia de IV

Tenham, por obséquio, a bondade de fechar os olhos e imaginarem comigo… (para quem fechou realmente os olhos vai com certeza ser mais difícil imaginar coisa alguma, mas podem sempre pedir a alguém que leia em voz alta).

Peço-vos para se imaginarem na pele dos pobres “avatares” do jogo de computador “Second Life” que, para quem não sabe, é um jogo que simula a vida real e cada um dos jogadores é representado por um boneco virtual chamado “avatar”.

Pois bem, estou-vos a pedir para se colocarem por instantes na pele do boneco virtual e imaginarem esse mundo como sendo o mundo real com casas, empregos, famílias, lojas, destinos, farmácias, concertos, praias, etc… e pegando na parte dos destinos, imaginem a vossa vida controlada por um “nerd” qualquer sem vida social, seboso e adepto da famigerada comida rápida (ou “fast food”, para compreensão geral) que traça a vossa vida a seu belo prazer sem o vosso conhecimento. Imaginem que acordam um dia com um humor estranho e que entram numa escola pública e desatam aos tiros de caçadeira, ou que saem nus de casa e correm rua abaixo a exigir a libertação da libelinha afegã, sem nunca se aperceberem que estão simplesmente a ser alvo da frustração desse tal “nerd qualquer” pelo facto do seu hambúrguer, recentemente encomendado, servir de habitáculo a uma viscosa e suculenta minhoca, vingando-se em vós apenas como forma de descompressão de energias.

Para aqueles “chicos espertos” que decerto estarão a pensar: “Eu já tinha imaginado isto a acontecer” tenho pois outra proposta. Fechem os olhos e imaginem o deus do mundo virtual, o ser que nunca aparece mas que nós sabemos que está presente. Tenho para mim que esse deus é controlado pelo criador e programador do videojogo, sendo o seu filho herdeiro, o Jesus do jogo, que morreu, ao ser despedido da empresa e ressuscitou 3 dias depois devido à promoção de um novo vice-presidente. Imaginemos também os génios virtuais, como os Picassos e Pessoas e Da Vincis. Eram certamente controlados por “nerds hackers” que se socorriam de “cheats” ou programas maliciosos para se destacarem dos demais.

Musica de fundo em crescendo, ambiente dramático instalado, entra o genérico final e corta! Próxima cena...bem haja!

Texto: Manuel Valente

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Caos

Transcrevendo as palavras do dicionário de língua portuguesa, o racionalismo “é a doutrina que afirma a razão”, a razão “é a faculdade de raciocinar (…) justiça; bom senso…”. Ora se assim é, estas designações dissociam-se do dogmatismo referente à “verdade”( passo a redundância) . Segundo a mesma fonte, a verdade “ é a conformidade entre o pensamento ou a sua expressão e o objecto de pensamento (…) realidade…” faço questão de repetir “REALIDADE”. Brota da minha cabeça um pensamento que me faz questionar até que ponto, nós, seres humanos vivemos na utópica verdade que é nossa, sem que esta seja manifestamente a realidade incontestável, pleonástico pensar que mais me aflige quando verifico que cada sociedade acarreta cânones irrefutáveis segundo a sua própria natureza e ao mesmo tempo tão ridículos à vista de outrem. A adopção de várias ideologias antitéticas, considerando cada uma das quais como “razoável”, consoante a cultura em que se insere, não só é possível, como é frequente, contudo afirmar que todas estas são “verdadeiras”, parece-me absurdo. A fragmentação cultural, numa era marcada pelo fenómeno “Aldeia Global” , é a prova de que o Humano é um ser carente de coerência e auto-estima que faz das “diferenças sociais” uma constante arma de arremesso e auto-destruição. É o “chamado” (falso) racionalismo que nos leva à intolerância e nunca nos faz chegar à verdade, por força da subsistência de padrões vincados nos núcleos sociais e da posição de repulsa desses em relação aos demais. Não quero parecer (nem sou) um defensor anarquista, antes pelo contrário, defendo a imposição de regras de cariz indispensável, mas condeno piamente politicas baseadas em “interesseirismos”, “Anti- Democraticismos” e “Radicalismos”. E é isso que nos separa da realidade – a única verdade, aquela que deveria ser partilhada por cada um de nós, e que nunca existiu. Oxalá a “inventem”.


Texto: Carlos Rodrigues

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A Rapariga das Sandálias Brancas


O mar sussurrava palavras de um alfabeto cuja infinidade eu desconheço, quando a vi passar com um longo vestido azul esvoaçante. Os cabelos ondulavam e rebentavam no areal que ela preencheu como se de um elemento expressionista se tratasse. Descalça, calçava um rosto de sonhos, um sorriso omnipotente, enquanto segurava com dedos delicados um par de sandálias brancas. Os seus passos deixaram para trás um caminho de quimeras, que o oceano roubou da minha memória para a transformar em sua. E a rapariga das sandálias brancas desapareceu…A maré desceu, e o mar abalou com ela, mas eu sei que amanhã a trará, e eu vou ter a certeza que ela não é mais uma despretensiosa ilusão.



Texto: Carlos Rodrigues
Foto: Carlos Rodrigues

A rede

Como acontecia em todas as madrugadas rotineiras da sua vida, aquele taxista bocejava de X em X tempo. Tinha recebido um telefonema há pouco mais de 5 minutos para se dirigir ao parque central da cidade. Quando lá chegou, já um homem baixo, mal vestido e de barba mal aparada o esperava no passeio. Para Onde Vai? Inquiriu o taxista, e com uma faca afiada encostada ao pescoço recebeu a resposta “para onde tu não vais”. E o velho motorista encostou o automóvel à berma da estrada onde ficou desapoderado do seu ganha-pão. O assaltante seguia agora a grande velocidade numa avenida central. Abriu o porta-luvas em busca de algo que não conseguiu encontrar. Irado, abriu a janela e voaram para o exterior cassetes, blocos de notas, um santo religioso trabalhado com gesso e um rolo de papel higiénico. Um Mendigo que pernoitava numa caixa de papelão, encostada a um muro grafitado, levantou-se de imediato com uma expressão fundida entre a incredibilidade e o entusiasmo. Junto ao degrau do passeio, o homem vestido de farrapos, sorriu com três dentes antes de apanhar o santo. O sorriso desmaiou quando o pobre homem reparou que o santo não tinha cabeça. Aproximou-se de uma sarjeta que estava a cerca de um metro do local onde havia apanhado o santo, olhou para o fundo do escoadouro e lá estava, a cabeça do boneco. Não tinha como alcançar o objecto, como alternativa atirou o resto do corpo do santo para a sarjeta de forma a ficar o mais junto possível à cabeça. Depois foi buscar a caixa de papelão e deitou-se junto ao degrau do passeio, onde adormeceu a contemplar a figura de gesso. Acordou no dia seguinte com o ruído de uma moeda a tilintar na calçada. Com os olhos ainda meio fechados, colados de remela viu uma bela mulher a afastar-se. A mulher era jovem, esbelta, tinha uma enorme cabeleira ruiva e olhos cinzentos. Dirigia-se apressada para o trabalho, eram quase 9 horas da manhã quando algo a deteve. Uma loja de electrodomésticos por onde ela passava todos os dias nunca lhe vendeu tanta atenção. O empregado acabara de ligar as televisões que pintavam a montra. A mulher apertou os dedos das suas mãos contra a vitrina quando na tela passaram imagens de crianças africanas que morriam por nutrição insuficiente. Ouviu-se um disparo e no mesmo instante a montra que a mulher tinha à sua frente rebentou. Um homem encapuçado empunhava uma arma que apontava desorientado em todas as direcções. As pessoas gritavam e chispavam por toda a avenida. Um miúdo que se dirigia para a escola com uma mochila às costas, deixou cair uma bola de futebol que segurava debaixo do braço. Olhou para trás, olhou para a bola, olhou para o assaltante, olhou para a frente e correu para longe dali com o rosto encharcado em lágrimas. Dez minutos fora do alcance do assaltante, parou ofegante perto de um ringue de futebol, onde ficou fitando os rapazes que ali jogavam futebol. “Posso jog…? Tentou perguntar antes de levar com uma bola que lhe embateu entre os olhos. “O rapaz que está na ala de urgências foi atingido por uma bola de futebol e caiu redondo com a cabeça no chão”, disse um médico enquanto comia um pastel de nata no bar do hospital, “Não recuperará os sentidos” acrescentou, “Arranje-me outro pastel de nata por favor” Pediu com boas maneiras.



Texto: Carlos Rodrigues