quinta-feira, 23 de julho de 2009

Caos

Transcrevendo as palavras do dicionário de língua portuguesa, o racionalismo “é a doutrina que afirma a razão”, a razão “é a faculdade de raciocinar (…) justiça; bom senso…”. Ora se assim é, estas designações dissociam-se do dogmatismo referente à “verdade”( passo a redundância) . Segundo a mesma fonte, a verdade “ é a conformidade entre o pensamento ou a sua expressão e o objecto de pensamento (…) realidade…” faço questão de repetir “REALIDADE”. Brota da minha cabeça um pensamento que me faz questionar até que ponto, nós, seres humanos vivemos na utópica verdade que é nossa, sem que esta seja manifestamente a realidade incontestável, pleonástico pensar que mais me aflige quando verifico que cada sociedade acarreta cânones irrefutáveis segundo a sua própria natureza e ao mesmo tempo tão ridículos à vista de outrem. A adopção de várias ideologias antitéticas, considerando cada uma das quais como “razoável”, consoante a cultura em que se insere, não só é possível, como é frequente, contudo afirmar que todas estas são “verdadeiras”, parece-me absurdo. A fragmentação cultural, numa era marcada pelo fenómeno “Aldeia Global” , é a prova de que o Humano é um ser carente de coerência e auto-estima que faz das “diferenças sociais” uma constante arma de arremesso e auto-destruição. É o “chamado” (falso) racionalismo que nos leva à intolerância e nunca nos faz chegar à verdade, por força da subsistência de padrões vincados nos núcleos sociais e da posição de repulsa desses em relação aos demais. Não quero parecer (nem sou) um defensor anarquista, antes pelo contrário, defendo a imposição de regras de cariz indispensável, mas condeno piamente politicas baseadas em “interesseirismos”, “Anti- Democraticismos” e “Radicalismos”. E é isso que nos separa da realidade – a única verdade, aquela que deveria ser partilhada por cada um de nós, e que nunca existiu. Oxalá a “inventem”.


Texto: Carlos Rodrigues

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A Rapariga das Sandálias Brancas


O mar sussurrava palavras de um alfabeto cuja infinidade eu desconheço, quando a vi passar com um longo vestido azul esvoaçante. Os cabelos ondulavam e rebentavam no areal que ela preencheu como se de um elemento expressionista se tratasse. Descalça, calçava um rosto de sonhos, um sorriso omnipotente, enquanto segurava com dedos delicados um par de sandálias brancas. Os seus passos deixaram para trás um caminho de quimeras, que o oceano roubou da minha memória para a transformar em sua. E a rapariga das sandálias brancas desapareceu…A maré desceu, e o mar abalou com ela, mas eu sei que amanhã a trará, e eu vou ter a certeza que ela não é mais uma despretensiosa ilusão.



Texto: Carlos Rodrigues
Foto: Carlos Rodrigues

A rede

Como acontecia em todas as madrugadas rotineiras da sua vida, aquele taxista bocejava de X em X tempo. Tinha recebido um telefonema há pouco mais de 5 minutos para se dirigir ao parque central da cidade. Quando lá chegou, já um homem baixo, mal vestido e de barba mal aparada o esperava no passeio. Para Onde Vai? Inquiriu o taxista, e com uma faca afiada encostada ao pescoço recebeu a resposta “para onde tu não vais”. E o velho motorista encostou o automóvel à berma da estrada onde ficou desapoderado do seu ganha-pão. O assaltante seguia agora a grande velocidade numa avenida central. Abriu o porta-luvas em busca de algo que não conseguiu encontrar. Irado, abriu a janela e voaram para o exterior cassetes, blocos de notas, um santo religioso trabalhado com gesso e um rolo de papel higiénico. Um Mendigo que pernoitava numa caixa de papelão, encostada a um muro grafitado, levantou-se de imediato com uma expressão fundida entre a incredibilidade e o entusiasmo. Junto ao degrau do passeio, o homem vestido de farrapos, sorriu com três dentes antes de apanhar o santo. O sorriso desmaiou quando o pobre homem reparou que o santo não tinha cabeça. Aproximou-se de uma sarjeta que estava a cerca de um metro do local onde havia apanhado o santo, olhou para o fundo do escoadouro e lá estava, a cabeça do boneco. Não tinha como alcançar o objecto, como alternativa atirou o resto do corpo do santo para a sarjeta de forma a ficar o mais junto possível à cabeça. Depois foi buscar a caixa de papelão e deitou-se junto ao degrau do passeio, onde adormeceu a contemplar a figura de gesso. Acordou no dia seguinte com o ruído de uma moeda a tilintar na calçada. Com os olhos ainda meio fechados, colados de remela viu uma bela mulher a afastar-se. A mulher era jovem, esbelta, tinha uma enorme cabeleira ruiva e olhos cinzentos. Dirigia-se apressada para o trabalho, eram quase 9 horas da manhã quando algo a deteve. Uma loja de electrodomésticos por onde ela passava todos os dias nunca lhe vendeu tanta atenção. O empregado acabara de ligar as televisões que pintavam a montra. A mulher apertou os dedos das suas mãos contra a vitrina quando na tela passaram imagens de crianças africanas que morriam por nutrição insuficiente. Ouviu-se um disparo e no mesmo instante a montra que a mulher tinha à sua frente rebentou. Um homem encapuçado empunhava uma arma que apontava desorientado em todas as direcções. As pessoas gritavam e chispavam por toda a avenida. Um miúdo que se dirigia para a escola com uma mochila às costas, deixou cair uma bola de futebol que segurava debaixo do braço. Olhou para trás, olhou para a bola, olhou para o assaltante, olhou para a frente e correu para longe dali com o rosto encharcado em lágrimas. Dez minutos fora do alcance do assaltante, parou ofegante perto de um ringue de futebol, onde ficou fitando os rapazes que ali jogavam futebol. “Posso jog…? Tentou perguntar antes de levar com uma bola que lhe embateu entre os olhos. “O rapaz que está na ala de urgências foi atingido por uma bola de futebol e caiu redondo com a cabeça no chão”, disse um médico enquanto comia um pastel de nata no bar do hospital, “Não recuperará os sentidos” acrescentou, “Arranje-me outro pastel de nata por favor” Pediu com boas maneiras.



Texto: Carlos Rodrigues