sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Portas


Portas são poços horizontais onde correm rios de foz indefinida. São lupas de horizontes, auto-estradas de ventos cortantes, umas enganam, outras nos desenganam. Um portal de cristal nem sempre é mais confiável do que a entrada duma gruta. Num portal de cristal podemos encontrar ouro que se desfaz em cinza, e numa gruta um morcego de ouro. Aprecio casas com muitas portas, mesmo que algumas delas permaneçam fechadas. Muitas portas abertas originam correntes de ar, e os homens não sabem falar com o vento. Ocorre-me citar Bob Dylan numa das suas muitas “divagações”: “The answer, my friend, is blowing in the Wind”. A solução do enigma das nossas vidas passa pela velha questão do meio termo, entre a humildade e a ambição, entre uma corrente tempestuosa e uma brisa, entre o saber esperar e a curiosidade incontrolada. A resposta por detrás de cada porta é aquela que nós, consciente ou inconscientemente construímos.


Texto: Carlos Rodrigues

Foto: Carlos Rodrigues

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sem Titulo.Jpg

Por vezes sinto todo o corpo suspenso numa alma de metal oscilante e voo enquanto o mundo olha para mim. Mas o que é isso?! Nada. É diferente sentir as mãos de alguém tocar as minhas, o coração aquece, o tempo pára e nesse instante voo sobre o momento, e o espaço encurta enquanto dois corpos se fundem e se transformam no encanto que designamos por amor. O amor é um circo com dois trapezistas. As mãos que se tocam no ar aquecem com os aplausos forçados vindos de uma plateia desatenta. (…)


(…) Em torno da tenda havia várias jaulas cobertas por farrapos meio rasgados e cerca de uma dezena de roulottes onde se iam extinguindo os últimos sinais do dia. (…)


(…) Havia quem palavreasse aquele lugar como o “recanto do sonho” e simultaneamente a “pradaria da miséria”, contudo todos lá iam, quanto mais não fosse para fugir á vida costumeira daquelas terras.


(...)Maria* e Manel* mantinham-se acordados todas as noites, porque não precisavam de motivo para estarem juntos. Eles eram o motivo, os dois: um motivo apenas. Tinham ambos dez anos, e outros tantos de convivência. O tempo tornou-os inseparáveis, amigos fiéis, irmãos verdadeiros e apaixonados degenerados (…)


(…) - Acreditas nas estrelas? – Perguntou Maria com curiosidade
- Acredito naquilo que vejo – Respondeu Manel sem desviar o olhar do céu
- Mas acreditar não é confiar – desafiou Maria
- Bem sei, hoje as estrelas estão lá, amanhã lá estarão, contudo se uma nuvem as esconder, não as poderei ver – desabafou Manel
- E então não podes contar com elas… - Completou Maria
Manel desviou o olhar das estrelas e contemplou o brilho dos olhos de Maria durante escassos segundos, suficientes para perceber o pedido que lhe havia sido feito. Manel abraçou-a com um afecto que não dispensava a força e o carinho, mas acima de tudo esse abraço abarcava inocência.

(…) - Um dia vou construir-te um trapézio nas nuvens...(…)


*Nomes provisórios
Excertos de Trapézio
Carlos Rodrigues